Olhando para o futuro: Impactos da mudança nas organizações e ligas
Praticamente em todos os anos de competição, o Counter-Strike foi considerado o eSports menos regulamentado e mais livre, do ponto de vista da desenvolvedora do próprio jogo. No entanto, parece que essa “era” chegou ao seu fim. A falta de intervenção por parte da Valve levou a que os organizadores de torneios ganhassem uma influência e espaço significativos na indústria, tornando-se os principais impulsionadores do desenvolvimento do jogo. Parece que a Valve tomou a decisão de modificar as regras.
Enquanto a maioria dos eSports depende completamente do financiamento e das decisões dos desenvolvedores, o CS conseguiu se tornar completamente autônomo e independente do financiamento da Valve. Por exemplo, em 2022, foram realizados 197 torneios de grande porte relacionados ao jogo, com uma premiação total de quase US$19 milhões, sendo apenas uma pequena parcela dessa quantia alocada pela Valve.
Há uma série de torneios no ecossistema do CS:GO em que a vitória é considerada equivalente à vitória nos Majors da Valve, resultando em um reconhecimento tão grande por parte dos jogadores quanto os Majors. Exemplos disso são os torneios IEM Cologne e IEM Katowice, sendo competições históricas que atraem milhões de espectadores e possuem um prestígio imenso tanto entre os fãs quanto entre os jogadores.
Entretanto, alguns campeonatos como a ESL e a Blast acabaram aproveitando seus próprios regulamentos de classificação para suas ligas. Permitindo que tenham equipes parceiras que se classificam diretamente para os campeonatos sem a necessidade de passar por uma seletiva. Isso significa que mesmo uma equipe em baixa forma estará na competição.
Embora existam vagas disponíveis para outras equipes, elas são escassas. A ESL oferece 15 vagas e a Blast oferece 12 para suas parceiras, o que é feito para atrair mais o público para assistir sempre aquelas organizações que, mesmo em má fase, continuam chamando a atenção. Por exemplo, a FURIA é atualmente a organização brasileira com maior número de visualizações, então se ela estiver sempre em seu campeonato, certamente atrairá audiência. Outro exemplo claro é a Evil Geniuses e a Complexity, ambas as organizações norte-americanas tiveram resultados fracos em sequência, frequentemente terminando em último lugar em várias oportunidades, no entanto, ambas são parceiras, o que lhes garante convites permanentes.
Os torneios da ESL são um pouco mais abertos se comparados à Blast, e as equipes jovens têm a chance de chegar ao mais alto nível por meio de ligas e torneios. No entanto, o caminho delas para a ESL Pro League ou para os torneios da série Intel Grand Slam, em comparação com o caminho das equipes parceiras, é muito mais difícil.
Apesar disso, para as equipes parceiras, isso as ajuda financeiramente de maneira significativa. Elas atraem público e dinheiro de patrocínio, e em troca, as ligas oferecem mais dinheiro, além das premiações. Isso é positivo para as organizações, ao proporcionar estabilidade em um ambiente que normalmente resulta em prejuízo.
No entanto, isso desestimula de certa forma as equipes de níveis mais baixos a continuarem, já que é difícil conquistar as vagas abertas nas ligas. Hoje, a única coisa que permite a essas equipes continuarem são os Majors, que são 100% abertos. Organizações como Monte, Apex, GamerLegion, Mongolz e 9INE estão competindo e se destacando nesses torneios, chegando aos playoffs e até mesmo à final. Já nas ligas da ESL e da Blast, isso dificilmente acontece.
Possivelmente, o último Major, com seus resultados não convencionais, forçou a Valve a prestar atenção ao problema. A desenvolvedora do jogo anunciou novas regras, pelas quais os operadores de torneios terão que tornar o sistema completamente aberto e encerrar seus acordos comerciais com clubes parceiros. Segundo a empresa, o acordo já foi assinado e dado um prazo de transição para o novo sistema, com as regras entrando em vigor a partir de 2025. No novo sistema, para as equipes poderem alcançar vagas em torneios, elas deverão se classificar por meio de qualificações abertas ou convidadas pelo ranking da Valve.
Por fim, essa nova regra pode ser benéfica no sentido de oferecer novas oportunidades para as equipes de Tier-2 e 3, mas afetará as receitas das organizações maiores, inclusive das ligas. Isso ocorre porque a ESL e a Blast dependem diretamente da audiência, e, por exemplo, se a Natus Vincere não conseguir se classificar, uma grande parte do público não acompanhará. Basta observar o último Blast Premier Fall Groups, onde as cinco partidas mais vistas do campeonato foram todas da NAVI.
Contudo, apenas o futuro nos dirá o que acontecerá com essas ligas e organizações. Uma coisa é certa: são mais de 20 anos de competição sem depender necessariamente de uma liga para fornecer apoio financeiro. Resta apenas esperar para ver.
Capa: Reprodução Valve